terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Nicanor Parra: Solo de Piano

Há exatos sete dias, o antipoeta chileno Nicanor Parra fez a sua antipassagem espiritual para o antimundo e, em sua memória, o Falas ao Acaso abre um pós-espaço para mais uma vez homenageá-lo. Em 2015, em aplauso aos seus 101 anos, publiquei publiquei Dos ChistesSe Canta Al MarAutorretratoCartas A Una Desconocida e Epitáfio, presentes na antologia digital bilíngue Nicanor Parra e Vinícius de Moraes (2009), com tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández, disponibilizada pela Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena de la Lengua.

Hoje e nos próximos quatro dias você acompanha a postagem de mais cinco antipoemas de Nicanor Parra, em espanhol e em traduções de Carlos Nejar e de João Carlos Martins. O primeiro deles é Solo de Piano, do livro Poemas y Antipoemas (1954), em tradução de Carlos Nejar para a antologia Nicanor Parra e Vinícius de Moraes, da ABL/ACL.

Para quem não conhece o escritor Nicanor Parra, o irmão da magnífica Violeta Parra (1917-1967), um trecho do seu perfil na apresentação de Carlos Nejar: “... rebelde, contrário ao sistema que impõe suas regras, às vezes estranho, fantástico, antissentimental, forjou seus antipoemas, ainda que “com odor delicado de violetas”, para expressar seu descontentamento com o rumo da literatura tradicional, operando com força desmistificadora. E escrever é nomear. E o antipoema abriga a poesia ao avesso, poesia integralmente, sem rasuras, caminhando contra a maré das leis canônicas de uma criação estética bem comportada, em geral modulando a técnica do ritmo, sem o estuário das rimas (o que não quer dizer que não as use, episodicamente) que singularizam a lira tradicional. Ora lacônico e absurdo, ora concentradamente mordaz, ora fraturando o sentido para alcançar outro maior, ora na enumeração que se desvaira para configurar o revés das coisas, ora um surrealismo que se fragmenta atiçado pela própria lucidez, ora com humor desavisado, ora quebrando o protocolo e o pescoço da eloquência, através da paradoxal digressão e o antilirismo. Kafkiano no espantoso; poundiano no uso de dialogismo; de Michaux, fica-lhe o humor negro; de Vallejo certa erupção sintática; de Becket, o tom satírico. É antipomposo, e, proverbialmente alegórico, teatral, nunca deixando de ser ele mesmo, com sua máscara de um Chile ancestral, com rosto de efígie asteca, imenso Poeta, parreira plantada na linguagem. E não é em vão que um dos seus livros se chama Folha de Parra. (...) Seu canto é civilizatório, mas também conhece a barbárie. Poeta muitas vezes parabólico, sarcástico, corrosivamente crítico de um mundo que não escolheu e nem o aceita, não busca criar formas. As formas que o criam.”


     
SOLO DE PIANO
Nicanor Parra

Ya que la vida del hombre no es sino una acción a distancia,
Un poco de espuma que brilla en el interior de un vaso;
Ya que los árboles no son sino muebles que se agitan:
No, son sino sillas y mesas en movimiento perpetuo;
Ya que nosotros mismos no somos más que seres
(Como el dios mismo no es otra cosa que dios)
Ya que no hablamos para ser escuchados,
Sino que para que los demás hablen
Y el eco es anterior a las voces que lo producen;
Ya que ni siquiera tenemos el consuelo de un caos
En el jardín que bosteza y que se llena de aire,
Un rompecabezas que es preciso resolver antes de morir
Para poder resucitar después tranquilamente
Cuando se ha usado en exceso de la mujer;
Ya que también existe un cielo en el infierno,
Dejad que yo también haga algunas cosas:

Yo quiero hacer un ruido con los pies
Y quiero que mi alma encuentre su cuerpo.



SOLO DE PIANO
Nicanor Parra
tradução: Carlos Nejar

Já que a vida do homem não é senão uma ação à distância,
um pouco de espuma que cintila no interior de um vaso;
já que as árvores não são senão móveis que se agitam:
não são senão cadeiras e mesas em movimento perpétuo;
já que nós mesmos não somos mais que seres
(como o deus mesmo não é outra coisa que deus);
já que não falamos para sermos escutados
senão para que os demais falem
e o eco é anterior às vozes que o produzem;
já que nem sequer temos o consolo de um caos
no jardim que boceja e que se enche de ar,
um quebra-cabeças que é preciso resolver antes de morrer
para poder ressuscitar depois tranquilamente
quando se usou em excesso a mulher;
já que também existe um céu no inferno,
deixa que eu também faça algumas coisas:

Eu quero fazer rumor com os pés
e quero que minha alma encontre seu corpo.

*
ilustração de Joba Tridente.2018


Nicanor Parra (San Fabián de Alico, Chile em 5 de setembro de 1914 - La Reina, Chile em 23 de janeiro de 2018). Formou-se em Matemática e Física no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Estudou Mecânica avançada na Universidade de Brown, Rhode Island (1943-1945). Foi diretor interino da Escola de Engenharia da Universidade do Chile, discípulo do Cosmólogo E.A. Miner em Oxford e professor de Mecânica Teórica na Universidade do Chile. Nicanor Parra tinha grande afinidade com as obras de Federico Garcia Lorca e Walt Whitman e os seus antipoemas teriam sido influenciados por filmes de Charles Chaplin, e o surrealismo de autores como Franz Kafka, Thomas Stearns EliotEzra PoundJohn Donne e William Blake. O escritor chileno, que recebeu, em 2011, o Prêmio Cervantes, oferecido pelo Ministério da Cultura da Espanha, estreou na literatura com Cancioneiro sem Nome (1937). A publicação da obra que o consagrou deu-se em 1954, Poemas y Antipoemas. Em seguida vieram: La cueca larga (1958) e Versos de Salón (1962), Manifiesto (1963), Canciones rusas (1967), Obra gruesa (1969), Los professores (1971), Artefactos (1972), Sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1977), Nuevos sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1979), El anti-Lázaro (1981), Plaza Sésamo (1981), Poema y antipoema de Eduardo Frei (1982), Cachureos, ecopoemas, guatapiques, últimas prédicas (1983), Chistes para desorientar a la policía (1983), Coplas de Navidad (1983), Poesía política (1983), Hojas de Parra (1985), Poemas para combatir la calvície (1993), Páginas en blanco (2001), Lear Rey & Mendigo (2004), Obras completas I & algo + (2006), Discursos de Sobremesa (2006), Antiprosa (2015). Fontes: Wikipedia e Antologia de Nicanor Parra e Vinicius de Moraes - ABL/ACL.

Nota: O Portal da Universidad de Chile disponibiliza a obra de Nicanor Parra e de outros grandes nomes em Retablo de Literatura Chilena.

Carlos Nejar: Poeta, Ficcionista e Crítico. Pertence à Academia Brasileira de Letras e à Academia Brasileira de Filosofia. O premiado escritor e tradutor de Jorge Luis Borges, Pablo Neruda e Nicanor Parra, tem a sua significativa obra literária publicada no Brasil e no Exterior. Confira AQUI a sua biografia e AQUI a sua extensa bibliografia. 


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...