segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Marilia Kubota: uma mulher jamais sofreu

Amanhã, seis de Dezembro, de 2016, a escritora e jornalista Marilia Kubota lança em Curitiba, no Brasil, o livro Diário da Vertigem. Desta sua mais recente obra, estou publicando quatro poemas. Você que já leu anteriormente como tudo funciona e que me perca, hoje sabe porque uma mulher jamais sofreu... e acompanha o segundo parágrafo da apresentação do ensaísta Martim Palácio Gambôa.  


A suspeita como um exercício de várias vertigens - 2
Martim Palácio Gamboa*

(...) “As estratégias que leva a cabo para esse desdobramento de minimalismos vários se sustentam, às vezes, no confessional, no registro cortante de uma manchete de jornal, na enumeração quase desvaída, na repetição anafórica do que é e não se é - como nos tratados medievais dos teólogos negativos. Marilia instala uma pulsão; e em seu ritmo sem pausa, o inconsciente manifesta o sintoma, o dizer, certo desatino que margeia o incompreensível ou ilegível e que chega a diferenciar a lógica da possibilidade e a probabilidade. Enquanto a primeira mantém uma relação indeterminada ou melhor, potencial, contingente, fortuita com a ordem do empírico e o fático, a segunda admite a aplicação de uma prova, de um testemunho, a possível verificação ou constância de uma porção de realidade. Como se poderá observar, a possibilidade é condição da probabilidade e e não ao contrário, a não ser que o possível mude de estatuto ôntico e se revele feito como realidade. O possível é uma abertura do binário (possível-impossível), sua divisão ou partição até o infinito cósmico, ali onde a maquinaria do desejo resida no sem futuro nem passado/que afinal tudo seja/celebrar a incerteza. E é também o que nos leva a advertir a presença leve da anamorfose, onde a imagem se transforma ao ritmo dos versos sem pontuação. Assim, vários destes poemas operam refrações, figurações enviesadas por reflexos equívocos, incertos, inacabados mas envoltos na espiral (na dobra) do contínuo.” Martim Palácio Gamboa*



uma mulher jamais sofreu
marilia kubota

uma mulher
jamais sofreu

quanto o bastardo
que se afama
por subir
o pau de sebo

uma mulher
jamais sofreu
porque
o sangue  vaza

quando o homem
só goza

uma mulher
jamais sofreu
porque a luz
se apagou do astro

em seus mamilos
aflora o leite das estrelas

uma mulher
jamais sofreu
por mais difícil
seja o parto
 lençóis brancos
abundam no quarto

uma mulher
jamais sofreu
quanto aquele
que a estraçalha
porque as lágrimas
tecem sua mortalha

e se no final
houver um baita sol
no bacanal de trevas iridescentes ?
se no fim do túnel
explodir o girassol
no vagalhão de cor fúnebre ?
se a morte for só deitar
sem direito a jantar
terás voltado
à infância,
tetrarca:
perdeste o reino
para espiar a rabiola.

*
ilustração de Joba Tridente


Marilia Kubota (Paranaguá, 06/04/1964), é poeta, jornalista e mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná. Desde 2005 orienta oficinas de criação literária. Publicou os livros de poesia Diário da vertigem (2016), micropolis (2014), Esperando as Bárbaras (2012) e Selva de Sentidos (2008). Organizou as antologias Blasfêmeas: Mulheres de Palavra (2016) e Retratos Japoneses no Brasil (2010) e está presente de 13 antologias de poesia e prosa. Participou das exposições Bienal de Artes de Curitiba (2013), Poesia Agora, no Museu da Língua Portuguesa (2014); Guenzai, na Casa de Cultura Monsenhor Celso (2015) e Olhar InComum, no Museu Oscar Niemeyer (2016).

*Martim Palácio Gamboa é poeta, ensaísta, tradutor e músico. Estudou literatura no Instituto de Professores Artigas, em Montevidéu. Livros de ensaios: Los trazos de Pandora; Otras voces, otros territorios; Breves ensayos sobre la nueva poesía brasileña contemporánea y Las estrategias de lo refractario; Poética y prática vanguardistas de Clemente Padín. Livros de poesia: Lecciones de antropofagia e Celebriedad del fauno. Organizou a antologia bilíngue Bicho de Siete Cabezas.

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