domingo, 20 de novembro de 2016

José João Craveirinha: Pena

Antes de conhecer Mia Couto eu conhecia a literatura africana.  Antes de saber que Mia Couto é branco eu sabia da literatura de autores africanos negros. Na cor, na pele, na voz, no grito do verbo dei de cara com a literatura africana nos “primórdios” da web, através de sites africanos que já foram soprados para longe.

Bons tempos aqueles em que a rede era um fascinante arquipélago com ilhotas pululando culturas deliciosamente estranhas. Foi mergulhando naquele admirável mundo novo que descobri a rica literatura em verso e prosa da África. Salvava uma coisa aqui e outra acolá. Muito se perdeu disquetes afora. Com o tempo aprendi a fuçar feito porco atrás de trufa. Nesse cavucar encontrei uma rara Antologia de Autores Africanos: Do Rovuma ao Maputo, organizada por Carlos Pinto Pereira, em 1999, a partir de arquivos esparsos na web. Para meu espanto a Antologia trazia algumas pérolas que admirara antes e, para minha felicidade, alguns dados biográficos de alguns autores.

Não sou muito ligado a datas. Creio que todo dia é dia de todo dia e do quê e de quem quiser o dia. Portanto, aproveito este domingo em que se comemora o Dia da Consciência Negra, no Brasil, e o fim da semana a ela dedicada, para iniciar a minha Semana da Literatura Africana, republicando alguns grandes autores que já estiveram por aqui, como José João Craveirinha, Geraldo Bessa, Viriato da Cruz..., e abrindo espaço também para a bela tradição oral do Continente Africano. Começo com o desconcertante poema Pena, do mestre moçambicano José Craveirinha (1922-2003), presente em Cela 1, de 1980.



P E N A
José Craveirinha

Zangado
acreditas no insulto
e chamas-me negro.

Mas não me chames negro.

Assim não te odeio
Porque se me chamas de negro
encolho os meus elásticos ombros
e com pena de ti sorrio.

*
Ilustração de Joba Tridente: 2015



José João Craveirinha (1922-2003) nasceu em Maputo, Moçambique.  Considerado o maior escritor moçambicano, o primeiro a receber o Prêmio Camões, iniciou-se no jornalismo no Brado Africano e se firmou colaborando com diversos veículos de informação. Craveirinha esteve preso entre 1965 e 1969, pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado), na Cela 1, com Malangatana e Rui Nogar. O escritor utilizou vários pseudônimos: Mário Vieira, J.C., J. Cravo, José Cravo, Jesuíno Cravo e Abílio Cossa. É autor de Xigubo (1964 - com 13 poemas e 1980 – com 21 poemas); Cantico a un dio di Catrame (1966); Karingana ua karingana (1974);  Cela 1 (1980); Izbrannoe (1984); Maria (1988); Babalaze das hienas (1996); Hamina e outros contos (1997); Maria. Vol.2 (1998); Poemas da Prisão (2004); Poemas Eróticos (2004 - edição póstuma organizada por Fátima Mendonça).

Para saber mais da sua obra, sugiro o ensaio José Craveirinha, publicado no Portal Lusofonia.

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