domingo, 18 de setembro de 2016

Machado de Assis: Círculo Vicioso

Aproveitando que no mês de setembro, além da primavera, e ou talvez por isso, o Brasil é tomado por feiras de livros e encontros literários, expondo a velha e a nova literatura para novos e velhos leitores, decidi (re)visitar alguns grandes escritores brasileiros e portugueses, cuja obra pode ser apreciada com prazer e considerações por crianças de qualquer idade. São poemas que remetem à infância, ao campo, aos jogos juvenis..., por vezes até melancólicos no seu saudosismo, mas sempre (e)ternos no registro lúdico de um tempo que já não há. Há muito!

O número de poemas será o de um a três, por autor, e as postagens sempre individuais (um por página) para melhor apreciação de cada obra.  Esta primeira edição contará com mais ou menos 30 escritores pinçados ao acaso em meus arquivos. Futuramente farei uma edição apenas com escritoras.

Machado de Assis (1839-1908) é um autor brasileiro que dispensa apresentações. Venho querendo publicar o seu belíssimo soneto Círculo Vicioso (1879 ou 1880) já há um bom tempo. A oportunidade chegou com este resgate da memória afetiva. Ah, publico ainda O Quebrador de Pedras..., um Conto Zen (desconheço a autoria e o tradutor) que tenho em meus arquivos digitais há muitos anos e que me parece ter tudo a ver com o soneto machadiano. Influência e ou coincidência? Amanhã é a vez do inspiradíssimo Martins Fontes (1884-1937).



Círculo   Vicioso
Machado de Assis

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:
- Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
que arde no eterno azul, como uma eterna vela!
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

- Pudesse eu copiar o transparente lume,
que, da grega coluna a gótica janela,
contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

- Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela
claridade imortal, que toda a luz resume!
Mas o sol, inclinando a rutila capela:

- Pesa-me esta brilhante aureola de nume...
Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?

*
ilustração de Joba Tridente




Conto Zen
O Quebrador de Pedras
autoria desconhecida

Era uma vez um simples quebrador de pedras que estava insatisfeito consigo mesmo e com sua posição na vida.
Um dia ele passou em frente a uma rica casa de um comerciante. Através do portal aberto, ele viu muitos objetos valiosos e luxuosos e importantes figuras que frequentavam a mansão.
"Quão poderoso é este mercador!" pensou o quebrador de pedras. Ele ficou muito invejoso disso e desejou que ele pudesse ser como o comerciante.
Para sua grande surpresa ele repentinamente tornou-se o comerciante, usufruindo mais luxos e poder do que ele jamais tinha imaginado, embora fosse invejado e detestado por todos aqueles menos poderosos e ricos do que ele. Um dia um alto oficial do governo passou à sua frente na rua, carregado em uma liteira de seda, acompanhado por submissos atendentes e escoltado por soldados, que batiam gongos para afastar a plebe. Todos, não importa quão ricos, tinham que se curvar à sua passagem.
"Quão poderoso é este oficial!" ele pensou. "Gostaria de poder ser um alto oficial!" Então ele tornou-se o alto oficial, carregado em sua liteira de seda para qualquer lugar que fosse, temido e odiado pelas pessoas à sua volta. Era um dia de verão quente, e o oficial sentiu-se muito desconfortável na suada liteira de seda. Ele olhou para o Sol. Este fulgia orgulhoso no céu, indiferente pela sua reles presença abaixo.
"Quão poderoso é o Sol!" ele pensou. "Gostaria de ser o Sol!"
Então ele tornou-se o Sol. Brilhando ferozmente, lançando seus raios para a terra sobre tudo e todos, crestando os campos, amaldiçoado pelos fazendeiros e trabalhadores. Mas um dia uma gigantesca nuvem negra ficou entre ele e a terra, e seu calor não mais pôde alcançar o chão e tudo sobre ele.
"Quão poderosa é a nuvem de tempestade!" ele pensou "Gostaria de ser uma nuvem!"
Então ele tornou-se a nuvem, inundando com chuva campos e vilas, causando temor a todos. Mas repentinamente ele percebeu que estava sendo empurrado para longe com uma força descomunal, e soube que era o vento que fazia isso.
"Quão poderoso é o Vento!" ele pensou. "Gostaria de ser o vento!"
Então ele tornou-se o vento de furacão, soprando as telhas dos telhados das casas, desenraizando árvores, temido e odiado por todas as criaturas na terra. Mas em determinado momento ele encontrou algo que ele não foi capaz de mover nem um milímetro, não importasse o quanto ele soprasse em sua volta, lançando-lhe rajadas de ar. Ele viu que o objeto era uma grande e alta rocha.
"Quão poderosa é a rocha!" ele pensou. "Gostaria de ser uma rocha!"
Então ele tornou-se a rocha. Mais poderoso do que qualquer outra coisa na terra, eterno, inamovível. Mas enquanto ele estava lá, orgulhoso pela sua força, ele ouviu o som de um martelo batendo em um cinzel sobre uma dura superfície, e sentiu a si mesmo sendo despedaçado.
"O que poderia ser mais poderoso do que uma rocha?!?" pensou surpreso.
Ele olhou para baixo de si e viu a figura de um quebrador de pedras.

*
ilustração de Joba Tridente.2016


Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro-RJ: 21.06.1839 - Rio de Janeiro-RJ: 29.09.1908) é considerado um dos maiores autores da literatura universal. Escritor de prosa e verso, cronista, dramaturgo, jornalista e crítico literário, foi cofundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras, em cujo site encontra-se farto material biográfico. Em sua bibliografia, que pode ser conferida também no Wikipédiaconstam dez romances e dez peças de teatro, cinco coletâneas de poesia e sete de contos e diversas obras póstumas.

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