terça-feira, 17 de maio de 2016

Ashraf Fayadh: Um Espaço no Vazio

Ashraf Fayadh é mais um grande poeta que conheci através das traduções do escritor Marcílio Farias. Vítima do totalitarismo na Arábia Saudita, Ashraf Fayadh causou comoção em todo mundo ao ser aprisionado e condenado à morte (em novembro de 2015) por apostasia. Ou seja, teria renegado o Islam. A prova, segundo a justiça, está em alguns poemas publicados no seu livro Instructions Within (2008). O processo contra o artista plástico e escritor, reconhecido na Europa e na Arábia Saudita, por suas curadorias de exposições de arte (Edge of Arábia) e expressiva literatura, é bastante controverso. Pesariam contra ele acusações de discussão num jogo de futebol; de ateísmo, de postar vídeo-denúncia da violência da polícia religiosa...).  No recurso apresentado do seu advogado, em fevereiro de 2016, a pena de morte foi revogada, porém imposta uma pena de oito anos de prisão, 800 chicotadas e arrependimento público. Desde o anúncio da sua morte (por decapitação) artistas de todas as áreas, Anistia Internacional, associações de escritores, PEN Internacional, grupos de direitos humanos, em todo o mundo, têm se mobilizado pela sua liberdade.

No Falas ao Acaso a poesia de Ashraf Fayadh é livre. De uma série de cinco poemas, já foram publicados aqui: A Última Fila ParaDescendentes de Refugiados e QuatroPoemas Curtos e Tristeza Feita deMassa de Pão. Hoje, em tradução portuguesa, de Marcílio Farias, e inglesa, de Jonathan Wright, te aguarda Um Espaço no Vazio.., poema também presente no livro de poemas Instructions Within (2008).












Um Espaço no Vazio
um poema de Ashraf Fayadh
em tradução de Marcílio Farias *

Tudo tem peso.
Mas o seu peso em particular, Poeta, é famoso nos muros do fundo
porque nem eles, nem a sua sombra pesada dão ao asfalto, ou a pintura rachada, ou aos
grafittis emparedados pelas janelas empoeiradas
uma chance de aparecer. Você também tem espaço,
espaço de sobra
no vazio que lhe cerca.

O ar cada vez mais poluído, as lixeiras transbordando,
sua alma escorrendo e misturada com o carbono que sobe do óleo queimado.
E até o seu coração entulhado, desde que as artérias foram
bloqueadas e se recusaram a dar cidadania
ao sangue que reflui de sua cabeça.

Sem as melhores partes da memória você perde muito
da gravidade original e
é forçado a seguir uma dieta bem específica
que o faz perder mais e mais de si mesmo

(Decida-se rápido, amigo,
porque a gravidade do planeta
não tem muita paciência
para esperar por muito tempo. E
lhe dou uma sugestão: substitua o tempo
pelos nomes de quem você ama
e jogue no lixo a
ultima pagina do seu diário.)

Você consome oxigênio como dois recém-nascidos
que gritam no mesmo desalento
mesmo considerando que as moléculas do ar que o circunda
carregam o som com dificuldade
e ainda corroem suas cordas vocais
mais que as areias do deserto.

Pela janela, a mesma memoria mostra uma
mendiga expondo as mais de cinquenta faces
de uma dignidade espalhada num trapo onde
acumula moedas enquanto imagina que o Homem
que a recria no vazio desta cela
um dia engendrará filhos e família. E ela
então reza para que o vazio se preencha em troca
de uma moeda que sua mão de miserável pede a você e ao seu vazio.
O deserto então sussurra:
chegou a hora de você definir um ritmo além do
sexual enquanto prossegue sua procura por
meias limpas, porque, como ensina a ciência,
bactérias crescem muito rápido na cela.

Sucumba ao sono, amigo,
porque chegou a hora de derreter-se e dissolver-se além das
mil formas impostas a você
por uma história que não é sua mas
empurrada goela abaixo desde que você nasceu. Portanto amigo
Busque evaporar-se, condensar-se a
caminho desse vazio
que lhe impuseram como
substituto dos espaços silenciosos
que você sempre cultivou com sua paixão.

*

ilustração de Joba Tridente.2016


* Nota de Marcílio Farias: Tradução livre da versão de Jonathan Wright, ganhador do Prêmio Saif Ghobash Banipal de Tradução em 2013, para A Space in the Void. Wright traduziu, entre outros autores palestinos, o premiado Amjad Nasser, autor de Land of No Rain. A Poesia de Ashraf Fayadh, Poeta Palestino condenado à morte pelo reino das arábias malditas, acusado de insultar o Islã, é cristalina, bela e irreversível.



********
A Space in the Void
by Ashraf Fayadh
translated by Jonathan Wright

Everything has weight.
Your weight is well known to the back walls
because your heavy shadow doesn’t give the asphalt, the paint, or the writings stuck on the windows a chance to appear.
You also have space, significant space,
in the void.
The air is polluted, and the dumpsters are too,
and your soul, too, ever since it got mixed up with carbon.
And your heart, ever since the arteries were blocked
and it refused to grant citizenship
to the blood coming back from your head.
Without your memory, you’d lose much of your weight.
You need to follow a proper diet
to lose more of you.
Make up your mind quickly,
because the earth’s gravity
doesn’t wait long.
Hint: replace the time factor with your name
so that you find the right way to throw the last page
of your diary
right into the rubbish bin.
You consume enough air for two new-born babies
if the screaming was equal,
given that the air molecules around you
carry sound badly, and your throat
needs repairing.
A beggar woman of more than fifty displays her dignity in
a rag studded with coins. She prays that you, and that
pretty woman who happens to be walking beside you,
will soon be blessed with a child,
to fill another part of the void
in return for a coin.
The time has come for you to pick up the pace, not sexually,
and for you to change your smelly socks.
A scientific fact: bacteria grow rapidly.
Succumb to sleep.
because the time has come for you to melt, and dissolve,
to take the shape agreed for the alienation into which you’re have been poured.
Evaporate, condense,
and go back to your void,
to occupy your usual space
in the You.

* tradução postada originalmente em Arabic Literature


ASHRAF FAYADH (Abha, Arábia Saudita, 1980) é artista plástico e escritor de origem palestina. Fayadh participou de várias exposições internacionais, incluindo a Bienal de Veneza, e foi curador da exposição Edge of Arábia. Lançou em 2008 o livro Al-Ta'limât bil-dâkhil (Instructions Within), que está lhe custando 8 anos de prisão e 800 chibatadas... Seus poemas se encontram em várias publicações.

MARCÍLIO FARIAS é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

JONATHAN WRIGHT is a Saif Ghobash Banipal Prize-winning translator (2013) who has brought many beautiful works into English, including Amjad Nasser’s Land of No Rain, for which he was commended by this year’s Saif Ghobash Banipal Prize judges.

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