segunda-feira, 4 de abril de 2016

Joba Tridente: mendigatriz

mendigatriz é o terceiro de uma série de três poemas de rua. O primeiro é mendiga. O segundo é atriz. Hora dessas publico os dois primeiros.


mendigatriz
joba tridente

negros sacos
de molambos pelo chão
em sua elegância de andrajos
a mulher
descabelada e suja e fétida
senta e levanta trôpega
vociferando impropérios
apontando dedos para ninguém
filosofando e ameaçando
seus fantasmas
em boa língua universitária
protesta sábia
contra governo contra religião contra família contra
ovação e vaias não a alcançam
perdida em ontens e amanhãs
não vê e nem ouve
a plateia sentada
em roda viva ao redor

: meia hora de gritos
: meia hora de gestos
: meia hora rasgando sentimentos
: meia hora esbugalhando os olhos
: meia hora arranhando o peito magro
: meia hora sangrando espíritos e matérias
: meia hora expondo o coração amargurado
: meia hora e o surto colhido na calçada de petit-pavé

aplausos! aplausos! aplausos!
e mais
aplausos! aplausos! aplausos!
o cachê livre
em notas e moedas variadas
acumulando na dobra da saia
o público segue discutindo
o melhor (do) espetáculo
desfazendo a roda
desocupando a calçada
abrindo caminho para o sos
carregar a indigente
para o necrotério
ou qualquer vala
comum aos mendigos

no outro ponto da praça
uma atriz aguarda
em vão o público
prometido pelo festival

la commedia è finita


*
jt.curitiba.3.4.2016
jt.foto.30.03.2012


Joba Tridente em Verso: 25 Poemas Experimentais (1999); Quase Hai-Kai (1997, 1998 e 2004); em Antologias: Hiperconexões: Realidade Expandida (2015); 101 Poetas Paranaenses (2014); Ipê Amarelo, 26 Haicais; Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu vejo da minha janela (2014); Ebulição da Escrivatura – 13 Poetas Impossíveis (1978); em Prosa: Fragmentos da História Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos Stankienambás (2000); Cidades Minguantes (2001); O Vazio no Olho do Dragão (2001). Contos, poemas e artigos culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo, Revista Planeta, entre outros.

2 comentários:

  1. Muito tocante, seu poema. Lema meus dias de Brasília, onde a arte e a miséria convivem, à visa dos pequenos burgueses, e às vistas grossa dos senhores do feudo podrítico.

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    Respostas
    1. ..., gratíssimo pela visita, leitura e comentários, insequapavel. ..., morei por 15 anos em Brasília, e já naqueles anos cinzentos, sobre a beleza do cerrado e sob o magnífico céu do planalto a vida já não era fácil... abs.

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