sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Nicanor Parra: Dos Chistes

O instigante poeta chileno Nicanor Parra completou 101 anos no último dia 5 de setembro. Em 2009, a Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena de la Lengua, lançaram a antologia bilíngue Nicanor Parra e Vinícius de Moraes, com tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández. As poesias de Nicanor Parra foram extraídas do livro Poemas para Combater a Calvície (Poemas para combatir la calvície, 1993).

Para quem não conhece o escritor Nicanor Parra, o irmão da magnífica Violeta Parra (1917-1967), um trecho do seu perfil na apresentação de Nejar: “... rebelde, contrário ao sistema que impõe suas regras, às vezes estranho, fantástico, antissentimental, forjou seus antipoemas, ainda que “com odor delicado de violetas”, para expressar seu descontentamento com o rumo da literatura tradicional, operando com força desmistificadora. E escrever é nomear. E o antipoema abriga a poesia ao avesso, poesia integralmente, sem rasuras, caminhando contra a maré das leis canônicas de uma criação estética bem comportada, em geral modulando a técnica do ritmo, sem o estuário das rimas (o que não quer dizer que não as use, episodicamente) que singularizam a lira tradicional. Ora lacônico e absurdo, ora concentradamente mordaz, ora fraturando o sentido para alcançar outro maior, ora na enumeração que se desvaira para configurar o revés das coisas, ora um surrealismo que se fragmenta atiçado pela própria lucidez, ora com humor desavisado, ora quebrando o protocolo e o pescoço da eloquência, através da paradoxal digressão e o antilirismo. Kafkiano no espantoso; poundiano no uso de dialogismo; de Michaux, fica-lhe o humor negro; de Vallejo certa erupção sintática; de Becket, o tom satírico. É antipomposo, e, proverbialmente alegórico, teatral, nunca deixando de ser ele mesmo, com sua máscara de um Chile ancestral, com rosto de efígie asteca, imenso Poeta, parreira plantada na linguagem. E não é em vão que um dos seus livros se chama Folha de Parra. (...) Seu canto é civilizatório, mas também conhece a barbárie. Poeta muitas vezes parabólico, sarcástico, corrosivamente crítico de um mundo que não escolheu e nem o aceita, não busca criar formas. As formas que o criam.”

Para homenagear o poeta, selecionei cinco poemas da edição Nicanor Parra e Vinícius de Moraes. Hoje: Dos Chistes.



DOS CHISTES
Nicanor Parra


YA NO PEDIMOS
PAN, TECHO NI ABRIGO
NOS CONFOMAMOS
COM UN POCO
DE

AIRE

EXCELENCIA
__________________________________

EL ERROR CONSISTIÓ
EN CREER QUE LA TIERRA ERA NUESTRA
CUANDO LA VERDAD DE LAS COSAS
ES QUE NOSOTROS SOMOS DE LA TIERRA

(De Chistes para desorientar a la poesía)


.............................................................................


DOIS CHISTES
Nicanor Parra
tradução: Carlos Nejar



JÁ NÃO PEDIMOS
PÃO, TETO NEM ABRIGO
NOS CONFORMAMOS
COM UM POUCO
DE

AR

EXCELÊNCIA
__________________________________

O ERRO CONSISTIU
EM CRER QUE A TERRA ERA NOSSA
QUANDO A VERDADE DAS COISAS
É QUE NÓS SOMOS DA TERRA

(De Chistes para desorientar à poesia)


*
Ilustração de Joba Tridente.2015


Nicanor Parra nasceu no Chile em 5 de setembro de 1914. Estreou com Cancioneiro sem Nome (1937). Formou-se em Matemática e Física no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Estudou Mecânica avançada na Universidade de Brown, Rhode Island, 1943-1945. Foi diretor interino da Escola de Engenharia da Universidade do Chile. Discípulo do Cosmólogo E.A. Miner em Oxford e professor de Mecânica Teórica na Universidade do Chile. A publicação da obra que o consagrou deu-se em 1954, Poemas y Antipoemas. Foi seguido de La cueca larga (1958) e Versos de Salón (1962), Canciones rusas (1967), Obra gruesa (1969), Artefactos (1972), Sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1977), Nuevos sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1978), Chistes para desorientar a la poesía (1983), Coplas de Navidad (1983) y Hojas de Parra (1985). Também publicou antologias em obras como Poesía política (1983) e Poemas para combatir la calvicie (1993). Fonte: Edição Nicanor Parra e Vinicius de Moraes.

Carlos Nejar: Poeta, Ficcionista e Crítico. Pertence à Academia Brasileira de Letras e Academia Brasileira de Filosofia. Traduziu Borges e Neruda, e possui livros publicados no Brasil e no Exterior.

2 comentários:

  1. Dos grandes poetas Nicanor y Vinicius. Gran noticia. ¿Por qué los dos juntos?

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    1. ..., olá, sprezm, nas apresentações não há menção à reunião dos dois escritores na presente antologia. creio que seja porque, além da contemporaneidade, os dois têm uma poesia inquieta. muitos conhecem Vinícius mais como compositor e cantor, mas a sua poesia, em começo e carreira, é bem diferente.

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