domingo, 20 de setembro de 2015

Nicanor Parra: Autorretrato

O instigante poeta chileno Nicanor Parra completou 101 anos no último dia 5 de setembro. Em 2009, a Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena de la Lengua, lançaram a antologia bilíngue Nicanor Parra e Vinícius de Moraes, com tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández. As poesias de Nicanor Parra foram extraídas do livro Poemas para Combater a Calvície (Poemas para combatir la calvície, 1993). Leia um trecho da introdução de Carlos Nejar na primeira postagem: Dos Chistes. Para homenagear o poeta, o terceiro de cinco poemas da edição Nicanor Parra e Vinícius de Moraes: Autorretrato..., uma comovente reflexão sobre a arte de ensinar. Já publicados: Dos Chistes; Se Canta Al Mar.




AUTORRETRATO
Nicanor Parra

Considerad, muchachos,
este gabán de fraile mendicante:
soy profesor en un liceo obscuro,
he perdido la voz haciendo clases.
(Después de todo o nada
hago cuarenta horas semanales).
¿Qué les dice mi cara abofeteada?,
¡verdad que inspira lástima mirarme!
Y qué les sugieren estos zapatos de cura
que envejecieron sin arte ni parte.

En materia de ojos, a tres metros
no reconozco ni a mi propia madre.
¿Qué me sucede? – ¡Nada!
Me los he arruinado haciendo clases:
la mala luz, el sol,
la venenosa luna miserable.
Y todo ¡para qué!
Para ganar un pan imperdonable
duro como la cara del burgués
y con olor y con sabor a sangre.
¡Para qué hemos nacido como hombres
si nos dan una muerte de animales!

Por el exceso de trabajo, a veces
veo formas extrañas en el aire,
oigo carreras locas,
risas, conversaciones criminales.
Observad estas manos
y estas mejillas blancas de cadáver,
estos escasos pelos queme quedan.
¡Estas negras arrugas infernales!
Sin embargo yo fui tal como ustedes,
joven, lleno de bellos ideales,
soñé fundiendo el cobre
y limando las caras del diamante:
aquí me tienen hoy
detrás de este mesón inconfortable
embrutecido por el sonsonete
de las quinientas horas semanales.


AUTORRETRATO
Nicanor Parra
tradução: Carlos Nejar

Considerai, companheiros,
este capote de frade mendicante:
sou professor num liceu obscuro,
perdi a voz ensinando nas classes.
(Depois de tudo ou nada
faço quarenta horas semanais).
Que lhes diz minha cara esbofeteada?,
verdade que olhar-me inspira pena!
E que lhes sugerem estes sapatos de pároco
que envelheceram sem arte nem parte.

Em matéria de olhos, a três metros
não reconheço nem minha própria mãe.
Que me sucede?–Nada!
Eu os arruinei às classes ensinando:
a luz má, o sol,
a mísera venenosa lua.
E tudo para quê?
Para ganhar um imperdoável pão
duro tal o semblante do burguês
e com cheiro e com sabor a sangue.
Para que nascemos como homens
se nos dão uma morte de animais!

Pelo excesso de trabalho, às vezes
vejo formas estranhas no ar,
ouço carreiras loucas,
risos, delituosas conversas.
Observai estas mãos
e estas faces alvas de cadáver,
estes escassos cabelos que me restam.
Estas negras rugas infernais!
Entretanto fui como vocês,
jovem, cheio de belos ideais,
sonhei fundindo o cobre
e limando as caras do diamante:
aqui hoje me têm
detrás desta pousada inconfortável
pelo ruído embrutecido
das quinhentas horas semanais.

*
ilustração/colagem de Joba Tridente
a partir de fotos de Nicanor Parra 
encontradas na internet. 2015


Nicanor Parra nasceu no Chile em 5 de setembro de 1914. Estreou com Cancioneiro sem Nome (1937). Formou-se em Matemática e Física no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Estudou Mecânica avançada na Universidade de Brown, Rhode Island, 1943-1945. Foi diretor interino da Escola de Engenharia da Universidade do Chile. Discípulo do Cosmólogo E.A. Miner em Oxford e professor de Mecânica Teórica na Universidade do Chile. A publicação da obra que o consagrou deu-se em 1954, Poemas y Antipoemas. Foi seguido de La cueca larga (1958) e Versos de Salón (1962), Canciones rusas (1967), Obra gruesa (1969), Artefactos (1972), Sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1977), Nuevos sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1978), Chistes para desorientar a la poesía (1983), Coplas de Navidad (1983) y Hojas de Parra (1985). Também publicou antologias em obras como Poesía política (1983) e Poemas para combatir la calvicie (1993). Fonte: Edição Nicanor Parra e Vinicius de Moraes.

Carlos Nejar: Poeta, Ficcionista e Crítico. Pertence à Academia Brasileira de Letras e Academia Brasileira de Filosofia. Traduziu Borges e Neruda, e possui livros publicados no Brasil e no Exterior.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...