Conto de Outono no Inverno
Joba
Tridente (1998)
Manhã fria. Gelada no 14º. andar. A névoa foi chegando. Devagar. No princípio da noite anterior. E
continuou. Logo após a madrugada, a vista não alcançava algo visível a mais de
meio palmo do nariz. Dentro do quarto ainda o calor das cobertas, do corpo.
Fora, apenas o nada. Desapareceram as montanhas além dos prédios. Mas, quais
prédios existiam aquém das montanhas? Eram altos, baixos, bonitos, feios como
quase todos os prédios modernos? Não sabia. Não lembrava. Abri a janela e
estiquei um braço, para sentir o clima. Frio de menos grau. Idiotice. Mão e
braço desapareceram na névoa. Tocaram nada. É claro. Havia um silêncio de
cidade morta, esquecida, ao redor. Um silêncio apavorante. Os recolhi
rapidamente. Nem mesmo o bem-te-vi de todas as manhãs e tardes apareceu para
defender o seu território. Por certo também acreditava que tudo acabara. Porém,
como acreditar na existência daquilo que não se vê e nem se consegue imaginar?
Como acreditar naquilo que existia até ontem ao entardecer? Qualquer fantasma
se perderia naquela brancura. Era como se não existisse coisa alguma, além de
mim e dos objetos do quarto. Hipnotizado, nem me lembrei de sair à busca de
outros compartimentos. À busca de outras pessoas. Apenas tentava entender
aquela ilusão do existir inexistindo. Tentava ler os últimos traços do que
aquela borracha esfumaçada apagava.
Nos segundos em que a janela
permaneceu aberta a névoa tentou entrar. Não deixei. Se tivesse entrado, eu é
que deixaria de existir. Se é que estava vivo.
*
Ilustração de Joba
Tridente.2015
Joba Tridente em Verso : 25 Poemas
Experimentais; Quase Hai-Kai; em Antologias: Hiperconexões:
Realidade Expandida; 101 Poetas
Paranaenses; Ipê Amarelo, 26 Haicais;
Ce que je vois de ma fenêtre - O que eu
vejo da minha janela; Ebulição da
Escrivatura; em Prosa: Fragmentos da História
Antropofágica e Estapafúrdia de Um Índio Polaco da Tribo dos
Stankienambás; Cidades Minguantes; O Vazio no Olho
do Dragão. Contos , poemas e artigos
culturais publicados em diversos veículos de comunicação: Correio Braziliense, Jornal Nicolau, Gazeta do Povo ,
Revista Planeta ,
entre outros.
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