terça-feira, 5 de agosto de 2014

Odes de Anacreonte - 3

Em minha temporada candanga, em Brasília, cheguei a escrever uma crônica sobre um general, que morava na Asa Sul, num reduto de generais, que queria cortar as árvores em frente a sua casa por causa do Canto das Cigarras. Acreditava o general, que sem árvores, as Cigarras não teriam onde cantar e o deixariam em paz ditatorial. Coitado do general. Encerro a terceira postagem das Odes de Anacreonte oferecendo, a todos os militares e belicistas do mundo, a bela ode A Cigarra.


                                     

A CIGARRA
Anacreonte

Μακαρίζομέν σε, τέττιξ,
τε δενδρέων π’ κρων
λίγην δρόσον πεπωκώς
βασιλες πως είδεις.
σ γάρ στι κενα πάντα,
πόσα βλέπεις ν γρος
χπόσα φέρουσιν λαι.
σ δ φείδεαι γεωργν,
π μηδενός τι βλάπτων·
σ δ τίμιος βροτοσιν,
θέρεος γλυκς προφήτης.
φιλέουσι μέν σε Μοσαι,
φιλέει δ Φοβος ατός,
λιγυρν δ’ δωκεν ομην·
τ δ γρας ο σε τείρει.
σοφέ, γηγενής, φίλυμνε,
παθής, ναιμόσαρκε·
σχεδν ε θεος μοιος.


A Cigarra

Feliz, cigarra, sempre sejas!
De árvores altas, no alto galho,
Bebendo só gotas de orvalho,
Qual rei, cantando, te espanejas...
Pois tudo é teu (que importa os donos?)
Quanto tu vês no campo em festas,
Quanto carregam as florestas,
Cigarra amiga dos colonos!...
Já lhes causaste algum prejuízo?
Nunca! Aos mortais és preciosa,
Profetizando o ainda indeciso
Vir da estação quente, ditosa
Amam-te as Musas nesse encanto,
E ama-te Febo, ó sonhadora,
Pois te ensinou tão doce canto!...
Tens atributos de imortal:
Sem te acabar velhice langue,
Sábia, terrígena cantora,
Serena, sem carne, sem sangue,
Tu és aos deuses quase igual!

A tradução de Almeida Cousin encontra-se na segunda edição bilíngue Odes de Anacreonte, Edições de Ouro (1966).


A Cigarra

Invejo a cigarra que à ponta de um galho,
desalterada apenas por alguns pingos de orvalho,
canta.   Tudo o que existe por estas
amplas florestas
é dela.   Os lavradores querem-lhe bem
por inócua, não prejudica a ninguém.
Para outros mortais ela entre as cantoras é a
                                                            [Primeira,
porque é da primavera a iluminada mensageira.
Honram-na as Musas e Apolo das intempérie a
                                                                    [escuda,
e deu-lhe esta voz tão cortantemente aguda
Amam-lhe o canto langue
as crianças e os velhos
e as cabras de límpidos chavelhos.
Inacessível ao mal,
sua carne não tem sangue.
A cigarra compara-se a um deus jovem e imortal.

Tradução de Jamil Almansur Haddad publicada em Odes Anacreônticas, Editora José Olympio (1952).


(sem título)

Graças te damos, cigarra,
quando no cimo das árvores,
bebida uma gota de orvalho,
como um rei te pões a cantar.
É pertença tua tudo isto,
quanto vislumbras nos campos
[e quanto] oferecem as florestas.
Tu poupas os agricultores,
e ninguém prejudicas em nada;
tu és estimada entre os mortais,
e do Verão o doce profeta.
Amam-te as Musas,
ama-te Febo em pessoa,
e melodioso canto te ofertou;
nem mesmo a velhice te derruba.
Sábia, filha da terra, amante do canto,
isenta de dor, corpo isento de sangue:
em tudo aos deuses te assemelhas.

Tradução de Carlos A. Martins de Jesus publicada em Anacreontea - Poemas à maneira de Anacreote - Edição digital Fluir Perene (2009).

*
arte de Joba Tridente (2014)
com Pomponia merula (1905) de W.L. Distant (1845-1922)


José Coelho de Almeida Cousin (1897 - 1991), farmacêutico, advogado escritor, cronista, crítico, jornalista. Currículo completo em Odes de Anacreonte - 1.  

Jamil Almansur Haddad (1914 - 1988), médico, crítico, ensaísta, escritor, historiados, teatrólogo, antologista, tradutor. Currículo completo em Odes de Anacreonte - 1.  

Carlos A. Martins de Jesus é Doutor em Letras pela Universidade de Coimbra, na especialidade de Literatura Grega (2012). Currículo completo em Odes de Anacreonte - 1.  

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