Eu vi! Eu sei! Eu li!
coletânea de crônicas: Catarse Tardia
I
Um homem foi preso, ontem. Eu vi! Tentava roubar uma bandeira nacional, do pavilhão, na praça
do governo. Os homens que o prenderam eram brutos. Eram montes enormes. Eu sei! Usavam armas de última geração.
Dessas que matam sem deixar marcas. Eu
li!
II
O homem desapareceu no meio dos grandes. Como um
afogado. Depois voltou a aparecer. Só a cabeça. Como um afogado. Os prendedores
eram como ondas. Não havia salva-vidas, ali. Só grandes ondas e um pequeno
homem se debatendo no meio delas. Alguns pombos voavam. Corujas também. O homem
resistia à tormenta das ondas. Parecia não aguentar nadar por muito mais tempo.
Faltava-lhe o ar. Engasgava-se. Dizem que o sangue é doce. Também salgado.
Talvez acre-doce. Assim como o mar. Eu sei!
III
Um náufrago morreu na praia, hoje. Eu vi! Dizem que estava bêbado e saiu
pra pescar tubarões, em alto mar, além das 200 milhas . Foi atacado
por orcas e peixes-espada. Eu sei! Os
jornais disseram outra coisa. É difícil saber a verdade. É palavra de pescador
contra de informador. Um colunista disse ouvir dizer de uma fonte confiável
que, antes de morrer na praia, o homem cuspiu algumas palavras. Elas foram
gravadas, por um anônimo e estão sendo analisadas por peritos, em um Laboratório de
Fonética Forense. A sua fonte adiantou que os técnicos estão confusos. O que o
homem parece dizer não bate com a explicação dos pescadores. A gravação diz que
ele saiu pra pescar uma bandeira nacional. Como é que alguém pode ir pescar uma
bandeira em alto mar? A voz, na fita, diz que a bandeira era pra fazer roupa
pros seus filhos. Entre outras coisas o náufrago morto alega que seus filhos,
depois, vestidos de bandeira, seriam uma bandeira viva andando pelas ruas. E
não um simples pedaço de pano voando ao léu... Eu li!
*
Joba Tridente - 16.04.1998
Ilustração - 2014
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