domingo, 21 de agosto de 2011

Joba Tridente: A Literatura e a Educação - 1


Dia desses, após a (re)leitura de Nefertiti, e os Mistérios Sagrados do Egito (1964), da escritora brasileira Chiang Sing (1924-2002), comecei a ler O Egípcio (1945), do escritor finlandês Mika Walkari (1908-1979). O Egípcio é um livro curioso e perturbador, profundamente crítico aos sistemas religiosos e políticos. Narra a saga de Sinuhe, médico do Faraó Akhenaton, em viagem pelo mundo antigo, buscando conhecimento medicinal, fortuna e oportunidade para exercer a profissão. Embora alguns diálogos tenham me parecido racistas, o que me chamou a atenção é a forma universal como Walkari trata da formação escolar de Sinuhe. Nas páginas iniciais da edição brasileira de 1985, publicada pela Editora Itatiaia, com tradução de José Geraldo Vieira, encontrei verdadeiras pérolas sobre educação escolar. Pela importância dos textos, que espero ser um incentivo à leitura do romance, selecionei sete belíssimos trechos:

(...) 1
Depois da refeição, meu pai, com um feitio esquisito no semblante, depôs a sua enorme mão sobre a minha cabeça e acariciou com especial ternura os cachos dos meus cabelos nas minhas temporãs.
- Agora já estás com sete anos de idade, Sinuhe, e deves decidir o que queres ser.
- Um guerreiro! - disse eu imediatamente, e fiquei perplexo ante a expressão de desaponto do seu rosto afável.
Nos brinquedos e jogos de rua, os melhores eram os de imitação de guerra; além disso eu contemplara soldados lutarem e se exercitarem no uso de armas diante de tendas e vira carros vistosos de guerra passarem depressa com ruídos de rodas durante as manobras fora da cidade. Não podia haver nada mais nobre nem maior do que a carreira de um guerreiro. Além disso, um guerreiro não precisava aprender a ler, e foi o que me pareceu mais propício, porque meninos maiores costumavam falar sobre a dificuldade da arte de escrever e como os professores eram desalmados, puxando o cabelo dos alunos caso esses mesmo sem querer esmagassem uma lousa de greda ou quebrassem uma pena vermelha entre seus dedos inábeis.
Com certeza se meu pai não conseguira passar de um pobre médico, era por lhe faltarem dons de homem notável. Mas era consciencioso em seu trabalho e jamais fazia mal seus pacientes, e até, com o decorrer dos anos, tornara sábio por causa da muita experiência. Já sabia quanto eu era sensível e voluntarioso, de forma que não fez nenhum comentário à minha resolução.

(...) 2
Olhou para mim com ar de raciocínio.
- De fato um guerreiro não precisa escrever. Apenas, lutar. Se souber escrever poderá ser um oficial comandando os mais valentes aos quais mandará para frente de batalha. Todo aquele que sabe escrever está apto a comandar; mas um homem que não sabe escrever garatujas jamais terá nem mesmo cem indivíduos sob as suas ordens. Que prazer pode ter um homem em usar correntes de ouro e receber honrarias quando é o sujeito com a pena vermelha na mão que dá as ordens? Assim tem sido e assim será. Por conseguinte, meu rapaz, se desejas comandar homens e conduzi-los, aprende a escrever. Então os ajaezados de ouro se inclinarão diante de ti, e escravos te carregarão numa liteira para o campo de batalha.
- Teu pai Senmut é um homem bom. Sabe escrever e me tratou nos dias prósperos quando eu tinha vinho abundante e chegava a ver até crocodilos e hipopótamos onde absolutamente não havia nenhum. Um homem bom, conquanto seja apenas um médico e não saiba manobrar um arco. Sou-lhe grato.

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