quarta-feira, 18 de maio de 2016

Ashraf Fayadh: O Nome de Um Sonho Masculino

Ashraf Fayadh é mais um grande poeta que conheci através das traduções do escritor Marcílio Farias. Vítima do totalitarismo na Arábia Saudita, Ashraf Fayadh causou comoção em todo mundo ao ser aprisionado e condenado à morte (em novembro de 2015) por apostasia. Ou seja, teria renegado o Islam. A prova, segundo a justiça, está em alguns poemas publicados no seu livro Instructions Within (2008). O processo contra o artista plástico e escritor, reconhecido na Europa e na Arábia Saudita, por suas curadorias de exposições de arte (Edge of Arábia) e expressiva literatura, é bastante controverso. Pesariam contra ele acusações de discussão num jogo de futebol; de ateísmo, de postar vídeo-denúncia da violência da polícia religiosa...).  No recurso apresentado do seu advogado, em fevereiro de 2016, a pena de morte foi revogada, porém imposta uma pena de oito anos de prisão, 800 chicotadas e arrependimento público.  Desde o anúncio da sua morte (por decapitação) artistas de todas as áreas, Anistia Internacional, associações de escritores, PEN Internacional, grupos de direitos humanos, em todo o mundo, têm se mobilizado pela sua liberdade.

Hoje encerro a primeira homenagem ao poeta de Ashraf Fayadh, aqui no Falas ao Acaso. Outras já estão programadas. Enquanto aguarda também pela liberdade do escritor, conheça alguns dos seus poemas já publicados aqui: A Última Fila Para Descendentes de Refugiados e Quatro Poemas Curtos e Tristeza Feita de Massa de Pão e Um Espaço no Vazio. E depois, o poema O Nome de Um Sonho Masculino, em tradução portuguesa, de Marcílio Farias, e inglesa, de Mona Zaki..., poema também presente no livro Instructions Within (2008).


 









O Nome de Um Sonho Masculino
um poema de Ashraf Fayadh
em tradução de Marcílio Farias

Enquanto você aperfeiçoa a arte de adorar essa angústia, Poeta,
Será que notou que suas artérias não conseguem mais bombear insônia para os olhos?
Será que você notou, Poeta,
Que os corações abandonados nas calçadas dessa noite
Fugiram de suas visões várias vezes no processo?
E que os ritmos da noite continuam seu trabalho oculto
até que a manhã escorra pela borda de nuvens que se agregam
no reduzido teto de sua imaginação?
Será que você notou, Poeta,
como você costumava gostar de ler as artérias dos humanos -
ou corpos jogados nos telhados da memoria mais antiga?

Suas paginas estão encharcadas pelo lodo da exegese
mas nenhuma palavra sequer foi lida
como você, pois como você
essas páginas exauriram
todas as línguas conhecidas nessa Terra sem conseguir
expressar um termo que defina de fato o seu nome, tal qual
um tinteiro prenhe de possibilidades - e
que desafiam todas as definições com o esforço unânime
de todos os seus órgãos.

Então você escolhe enfrentar o trovão de pé, Poeta, onde ele
possa ver como o seu corpo emaciado apodrece
e sua alma ressurge como uma nuvem de chuva que
jorra vida em lugares onde seu nome sequer se torna um sonho que jamais tem fim, acalentado pelo tempo em que faz você incapaz de abandonar
definições traçadas pelas noites de
prazeres proibidos, duvidosos e bêbados
para desespero daqueles que clamam alto
pelos nomes sagrados do Amor.

Vem, Poeta, pois as noites são sempre mais longas para
o Amado, mas sempre breves, brevíssimas
para aquele que Ama e escreve sobre
corpos que cheiram a pêssegos maduros
absorvidos por todas as formas proibidas dessa noite.

Vem, Poeta, para o lugar onde as nuvens escolhem
mudar as formas do seu corpo e arrebatar sua alma do exílio de
um coração ao qual foi imposta total ausência de Amor e
das miragens de uma terra natal a qual você nunca
pertencerá em carne e poeira, cinza e pedra.

Desde quando o vento obedece às leis do trafego?
Desde quando?
Desde quando o vento para na luz vermelha?
E quando alguma vez você ensinou esse vento e
esse deserto algumas palavras
ou estórias dignas de publicação?

Seus olhos, Poeta, admitem que a insônia
violou todos os segredos da noite de tal modo que
ela, essa noite que nunca acaba, não aguenta mais tanto silêncio.
E seu coração virou um ídolo que suas artérias esconderam e
não mais sacrificam às suas veias
como tributo aquele trono
ocupado por deuses belíssimos.

Seu nome significa Nada, Poeta,
se não puder livrar você dos pecados do deserto,
se não puder implorar a noite para que o
deixe caminhar livre e longe da lâmina, porque
seu nome é um numero discado errado, é
um peso insuportável que
acabou de rebentar as suas costas.


*

ilustração de Joba Tridente.2016


* Nota de Marcílio Farias: Versão Livre do poema The Name of a Masculine Dream, baseada na tradução de Mona Kareem, poeta do Kuweit, banida pelo emir daquele poço maldito de petróleo, hoje refugiada em Cambridge, UK, onde estuda Literatura.



********
The Name of a Masculine Dream
by Ashraf Fayadh
translated by Mona Zaki

While you excel in worshipping anxiety—
didn’t you notice that your arteries have failed to pump your insomnia up to the eyes?
Didn’t you notice?
That the hearts of those abandoned on the pavements of the night
have split from your vision so many times?
The patterns of the night continue their work
until dawn appears on the edges of clouds gathering
on the ceiling of your imagination.
Didn’t you also notice—
how you enjoy interpreting the arteries of women
and the bodies tossed on the roofs of memories from long ago?
Your pages have been soaked with the sludge of exegesis
and not one word has been read
like you
these pages have exhausted all languages known to earth
in order to offer a name that matches your definition of self
your name—like an inkwell pregnant with possibilities
your build defies all definitions of its organs combined.
Come stand to where the thunder can see you so that your emaciated body may dissolve
and your soul be resurrected as a cloud followed by rain
pouring down life to where your name is not even a dream
that won’t come to pass as long as you’re unable to abandon the definitions
of dubious pleasures and drunken nights
and those who call out the sacred names of love.
Come—for the night is long for the beloved,
not long enough to write about pleasure
or bodies saturated in the smell of peaches
absorbed in all the forbidden pleasures of the night.
Come—to where the cloud chooses to shift your sickly form
and snatch your soul from its exile—
from a heart that had openly declared the absence of love
and from the mirages of the assumed homeland you thought you belonged
to every grit of its earth.
Since when does the wind honor traffic laws?
Since when?
Did the wind ever stop at your red light?
How long have you coaxed it to stop
so you could gather a few words
or find some news no longer fit for print?
Your eyes will confess that insomnia
has violated the secrets of the night
and the night too won’t keep silent for long.
Your heart is an idol to which your arteries have absconded
And they no longer offer your veins as sacrifice
as tribute to the throne of beautiful gods
Your name means nothing to me
it cannot deliver me of all the sins of drought
and it cannot supplicate the night so that I can walk free from its isolation
your name is a lost number—
a weight that has broken your back!

* tradução postada originalmente em Arabic Literature


ASHRAF FAYADH (Abha, Arábia Saudita, 1980) é artista plástico e escritor de origem palestina. Fayadh participou de várias exposições internacionais, incluindo a Bienal de Veneza, e foi curador da exposição Edge of Arábia. Lançou em 2008 o livro Al-Ta'limât bil-dâkhil (Instructions Within), que está lhe custando 8 anos de prisão e 800 chibatadas... Seus poemas se encontram em várias publicações.

MARCÍLIO FARIAS é formado e pós-graduado pela UnB (Universidade de Brasília) em Jornalismo, Cinema e Filosofia. Em 1989 emigrou para os Estados Unidos. Vive e trabalha entre Natal (Brasil) e Phoenix-Miami-Boston (EUA). Obras publicadas/poesia: Visual Field (1996), Watermark Press, MD, EUA; O Livro Cor de Triângulo Cor-de-Rosa (2007), e Rito para Ressuscitar um Elefante (2010), ambos pela Scortecci Editora, São Paulo, Brasil. Link: Currículo completo. Poemas publicados no Falas ao Acaso: Moebius; Mandala; Passado incômodo; (John); Diálogo visto de longe na Praça de Sé.

Mona Zaki is an Egyptian, born in Belgrade. She has a BA from the American University in Cairo in Middle Eastern History and a PhD on the Medieval Muslim depiction of hell from Princeton University. She a translator and a contributing editor at Banipal.

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