quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Hans Christian Andersen: Saltadores

Aproveitando a comemoração da Semana da Criança, no Brasil, como desculpa, estou publicando uma série de sete contos do grande escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, que já apareceu por aqui, em setembro e outubro de 2014, com os emblemáticos O Livro MudoA Família Feliz e Só A Pura Verdade. A obra de Andersen, com sua rica alegoria, também (ou até mais) cala fundo na consciência do público adulto. Algumas ilustrações Edna F. Hart e ou de F. Reiß são das edições originais disponibilizadas pela Biblioteca Gutemberg e ou Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro. Ontem foi o dia d’O Caracol e a Rosa. Hoje é a horas dos Saltadores.



SALTADORES
Hans Christian Andersen
ilustração de Edna F. Hart

Uma vez, o pulgão, o gafanhoto e o ganso saltador¹ quiseram ver qual deles era capaz de saltar mais alto e assim convidaram todo o mundo e quem demais quisesse assistir à exibição. Eram três valentes quando entraram na sala.

— Sim, dou a minha filha àquele que saltar mais alto! — disse o rei. — Pois é mesquinho deixar as pessoas saltar por nada!

O pulgão foi o primeiro a avançar. Tinha maneiras delicadas e fez saudações para todos os lados, pois havia sangue de donzela nele e está acostumado a só ter relações com os seres humanos. E isso tem muita importância.

Veio depois o gafanhoto. Era consideravelmente mais pesado, mas tinha, mesmo assim, muito boas maneiras e apresentou-se no seu uniforme verde herdado à nascença. Além disso, diziam as pessoas que vinha de uma família muito antiga, na terra do Egito e que aqui, no reino, era altamente considerado. Tinham-no trazido diretamente do campo e posto numa casa de cartas, com três andares, construídos com figuras com o lado colorido para dentro. Havia tanto portas como janelas e tudo recortado no corpo da dama de copas. — Eu canto de tal modo — afirmou — que dezesseis grilos nativos que, embora, cantassem desde pequenos, não tiveram direito a nenhuma casa de cartas. Ao ouvirem-me, zangaram-se tanto que ficaram ainda mais magros do que eram!

Tanto o pulgão como o gafanhoto deram assim boas contas de quem eram, acreditando que bem podiam vir a possuir uma princesa.

O ganso saltador não disse nada, mas falaram por ele e disseram que assim pensava mais, e o cão da corte, mal o farejou, afiançou que o ganso saltador era de boa família. O velho conselheiro, que tinha recebido três ordens para estar calado, assegurou que sabia que o ganso saltador era dotado da capacidade de profecia. Podia ver-se nas suas costas se se tinha um inverno suave ou rigoroso e isso nunca se podia ver nas costas de quem escrevia o almanaque.

— Sim, por agora não digo nada! — afirmou o velho rei. — Mas vou ocupar-me disso e pensar na minha opinião!

Havia então que dar o salto. O pulgão saltou tão alto que ninguém o conseguiu ver, e então foram de opinião de que não tinha mesmo saltado, e isso foi mesquinho!

O gafanhoto saltou só metade da altura, mas saltou mesmo para a cara do rei, que sentenciou que era nojento.

O ganso saltador ficou muito tempo quieto a pensar, julgando-se por fim que não era mesmo capaz de saltar.

— Oxalá não se sinta mal! — disse o cão da corte, que voltou a farejá-lo. Rutch! E o ganso saltador deu um pequeno salto de esguelha para o colo da princesa, que estava sentada num banquinho de ouro.
Então o rei proferiu:

— O salto mais alto é para a minha filha, pois ela é do mais fino que há. Para tal coisa há que ter uma cabeça para pensar e o ganso saltador mostrou que a tinha. Tem osso na testa, quer dizer, tem miolo!

E assim recebeu a princesa.

— Fui eu que saltei mais alto! — afirmou o pulgão. — Mas é-me indiferente! Que a princesa fique com o ganso de pau e pez! Fui eu que saltei mais alto, mas é preciso ter corpo neste mundo para que o vejam!

E assim o pulgão alistou-se como combatente no estrangeiro, onde se diz que foi abatido.

O gafanhoto sentou-se lá fora na valeta a pensar, como são propriamente as coisas neste mundo, dizendo:

— Tem de se ter corpo para isso! Tem de se ter corpo para isso! E assim cantou a sua canção triste e foi dela que tomamos a história, que bem podia ser falsa, ainda que impressa.

1 - Velho brinquedo feito de um osso de peito de ganso que dava saltos. (N. do T.)


Hans Christian Andersen nasceu em Odense, 1805, e morreu em Copenhague, 1875. O notório escritor dinamarquês teve uma infância pobre, mas enriquecida com as histórias que seu pai, humilde lhe contava, encenando com bonecos. Após a morte do pai, fugiu de casa e aos 14 anos começou a trabalhar no Teatro Real, em Copenhague. Andersen foi ator, corista, bailarino e autor. A maior parte de seus estudo foram financiados pelo diretor de teatro Jonas Collin. Entre outras obras, publicou: O Improvisador (1835), Nada como um menestrel (1837), Livro de Imagens sem Imagens (1840), O romance da minha vida (autobiografia em dois volumes, 1847). Ganhou renome com os contos (Histórias e Aventuras) para o público infantojuvenil, publicada de 1835 a 1872. Há farto material na web sobre o grande mestre. 


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