Aproveitando a comemoração da Semana da Criança, no
Brasil, como desculpa, estou publicando uma série de sete contos do grande
escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, que já apareceu por aqui, em
setembro e outubro de 2014, com os emblemáticos O
Livro Mudo, A
Família Feliz e Só
A Pura Verdade. A obra de Andersen, com sua rica alegoria, também (ou
até mais) cala fundo na consciência do público adulto. Algumas ilustrações Edna
F. Hart e ou de F. Reiß são das edições originais disponibilizadas
pela Biblioteca Gutemberg e ou Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro. Ontem foi
o dia d’O Caracol e a Rosa. Hoje é a horas dos Saltadores.
SALTADORES
Hans
Christian Andersen
ilustração
de Edna F. Hart
Uma vez, o pulgão, o gafanhoto e o ganso saltador¹ quiseram
ver qual deles era capaz de saltar mais alto e assim convidaram todo o mundo e
quem demais quisesse assistir à exibição. Eram três valentes quando entraram na
sala.
— Sim, dou a minha filha àquele que saltar mais alto! — disse
o rei. — Pois é mesquinho deixar as pessoas saltar por nada!
O pulgão foi o primeiro a avançar. Tinha maneiras delicadas e
fez saudações para todos os lados, pois havia sangue de donzela nele e está
acostumado a só ter relações com os seres humanos. E isso tem muita importância.
Veio depois o gafanhoto. Era consideravelmente mais pesado,
mas tinha, mesmo assim, muito boas maneiras e apresentou-se no seu uniforme
verde herdado à nascença. Além disso, diziam as pessoas que vinha de uma
família muito antiga, na terra do Egito e que aqui, no reino, era altamente
considerado. Tinham-no trazido diretamente do campo e posto numa casa de
cartas, com três andares, construídos com figuras com o lado colorido para
dentro. Havia tanto portas como janelas e tudo recortado no corpo da dama de
copas. — Eu canto de tal modo — afirmou — que dezesseis grilos nativos que,
embora, cantassem desde pequenos, não tiveram direito a nenhuma casa de cartas.
Ao ouvirem-me, zangaram-se tanto que ficaram ainda mais magros do que eram!
Tanto o pulgão como o gafanhoto deram assim boas contas de
quem eram, acreditando que bem podiam vir a possuir uma princesa.
O ganso saltador não disse nada, mas falaram por ele e
disseram que assim pensava mais, e o cão da corte, mal o farejou, afiançou que
o ganso saltador era de boa família. O velho conselheiro, que tinha recebido
três ordens para estar calado, assegurou que sabia que o ganso saltador era
dotado da capacidade de profecia. Podia ver-se nas suas costas se se tinha um
inverno suave ou rigoroso e isso nunca se podia ver nas costas de quem escrevia
o almanaque.
— Sim, por agora não digo nada! — afirmou o velho rei. — Mas
vou ocupar-me disso e pensar na minha opinião!
Havia então que dar o salto. O pulgão saltou tão alto que
ninguém o conseguiu ver, e então foram de opinião de que não tinha mesmo
saltado, e isso foi mesquinho!
O gafanhoto saltou só metade da altura, mas saltou mesmo para
a cara do rei, que sentenciou que era nojento.
O ganso saltador ficou muito tempo quieto a pensar,
julgando-se por fim que não era mesmo capaz de saltar.
— Oxalá não se sinta mal! — disse o cão da corte, que voltou
a farejá-lo. Rutch! E o ganso saltador deu um pequeno salto de esguelha para o
colo da princesa, que estava sentada num banquinho de ouro.
Então o rei proferiu:
— O salto mais alto é para a minha filha, pois ela é do mais
fino que há. Para tal coisa há que ter uma cabeça para pensar e o ganso
saltador mostrou que a tinha. Tem osso na testa, quer dizer, tem miolo!
E assim recebeu a princesa.
— Fui eu que saltei mais alto! — afirmou o pulgão. — Mas é-me
indiferente! Que a princesa fique com o ganso de pau e pez! Fui eu que saltei
mais alto, mas é preciso ter corpo neste mundo para que o vejam!
E assim o pulgão alistou-se como combatente no estrangeiro,
onde se diz que foi abatido.
O gafanhoto sentou-se lá fora na valeta a pensar, como são
propriamente as coisas neste mundo, dizendo:
— Tem de se ter corpo para isso! Tem de se ter corpo para
isso! E assim cantou a sua canção triste e foi dela que tomamos a história, que
bem podia ser falsa, ainda que impressa.
1 - Velho brinquedo feito de um osso de peito de ganso que
dava saltos. (N. do T.)
Hans Christian Andersen nasceu em Odense, 1805, e morreu em
Copenhague, 1875. O notório escritor dinamarquês teve uma infância pobre, mas
enriquecida com as histórias que seu pai, humilde lhe contava, encenando com
bonecos. Após a morte do pai, fugiu de casa e aos 14 anos começou a trabalhar
no Teatro Real, em Copenhague. Andersen foi ator, corista, bailarino e autor. A
maior parte de seus estudo foram financiados pelo diretor de teatro Jonas
Collin. Entre outras obras, publicou: O
Improvisador (1835), Nada como
um menestrel (1837), Livro
de Imagens sem Imagens (1840), O romance da minha vida (autobiografia em dois volumes, 1847).
Ganhou renome com os contos (Histórias e
Aventuras) para o público infantojuvenil, publicada de 1835 a 1872. Há
farto material na web sobre o grande mestre.
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