Aproveitando a comemoração da Semana
da Criança, no Brasil, como desculpa, estou publicando uma série de sete contos do grande
escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, que já apareceu por
aqui, em setembro e outubro de 2014, com os emblemáticos O Livro Mudo, A Família Feliz e Só A Pura Verdade. A obra de
Andersen, com sua rica alegoria, também (ou até mais) cala fundo na
consciência do público adulto. Algumas ilustrações Edna F. Hart e ou de F.
Reiß são das edições originais disponibilizadas pela Gutemberg e ou Agrupamento de Escolas de Rio de Mouro. Ontem foi o dia de A
Gota de Água. Hoje é a hora das Histórias
do Brilho do Sol.
HISTÓRIAS DO BRILHO DO
SOL
Hans Christian
Andersen
ilustração de Edna F. Hart
— Agora vou
eu contar! — disse o Tempo Ventoso.
— Não, com
sua licença! — disse o Tempo de Chuva. — Agora é a minha vez! Há muito que está
a uivar na esquina da rua, se é que tanto assim se pode uivar!
— É o
agradecimento — disse o Tempo Ventoso — por ter virado muitos chapéus de chuva
em sua honra. Sim, tê-los quebrado mesmo, quando as pessoas não querem nada
consigo!
— Silêncio!
Eu conto! — falou o Brilho do Sol. — E isto foi dito com lustro e majestade. De
tal modo que o Tempo Ventoso se deitou a todo o comprimento, mas o Tempo de
Chuva sacudiu-o e proferiu:
— Temos de
suportar isto! Entra de rompante, esse senhor Brilho do Sol! Não vamos ouvi-lo!
Não vale a pena!
Mas o Brilho
do Sol contou:
— Voava um
cisne sobre o mar ondulante. Cada uma das suas penas brilhava como ouro. Uma
delas caiu lá em baixo, no grande navio mercante que vogava a todo o pano. Pousou
no cabelo encaracolado de um jovem, o superintendente da mercadoria. Ou o
sobrecarga, como era denominado. A pena da ave da sorte roçou-lhe a testa e
tornou-se uma pena de escrever na sua mão. O jovem fez-se tão rico mercador que
bem podia comprar para si esporas de ouro e transformar travessas de ouro num
brasão de nobreza.
— Brilhei
nele! — disse o Brilho do Sol.
— O cisne
voou sobre o prado verde onde o pastorinho, um rapazinho de sete anos, se
deitara à sombra da velha e única árvore ali existente. E o cisne, no seu voo,
beijou uma das folhas da árvore, que voou para a mão do rapaz. De uma folha se
fizeram três, de que se fizeram dez, de que se fez todo um livro e ele leu
neste as maravilhas da natureza, sobre a língua materna, sobre a fé e o saber.
Quando chegava a hora de ir para a cama, punha o livro debaixo da cabeça para
não esquecer o que lera, e o livro levou-o aos bancos da escola, à mesa da
erudição.
— Li o seu
nome entre os dos sábios! — disse o Brilho do Sol.
— De novo o
cisne voou. Dirigiu-se para dentro da solidão do bosque e repousou nos lagos
calmos e sombrios, onde crescem as açucenas brancas, onde crescem as maçãs
bravas e onde os cucos e as pombas bravas têm pouso.
Uma pobre
mulher andava a juntar lenha. Ramos caídos. Pô-los às costas e, com o filhinho
ao peito, foi para casa. Viu o cisne dourado, o cisne da felicidade, elevar-se
da margem onde cresciam os juncos. Que brilhava ali? Um ovo de ouro que estava
ainda quente. Pô-lo junto ao peito e quente ficou. Havia certamente vida no
ovo. Sim, algo picava dentro da casca. Apercebeu-se disso e julgou que era o
seu próprio coração que batia.
Em casa, na
pobre cabana, tirou o ovo de ouro para fora. Tique, tique! — soava ele, como se
fosse um relógio de ouro precioso. Mas era um ovo cheio de vida. Eclodiu. Um
cisnezinho, com plumagem como se fosse de ouro puro, pôs a cabeça de fora.
Tinha quatro anéis à volta do pescoço e, como a pobre mulher tinha,
precisamente, quatro rapazes, três em casa e o quarto que trouxera consigo da
solidão do bosque, compreendeu que era um anel para cada uma das crianças e,
nesse preciso momento, a avezinha de ouro partiu a voar.
Beijou cada
anel e fez com que cada um dos filhos os beijasse também. Pô-los junto do
coração das crianças e, depois, colocou-os nos seus dedos.
— Eu vi-o! —
disse o Brilho do Sol. — E vi o que se seguiu!
Um dos
rapazes sentou-se numa poça de barro, formou um torrão na mão, moldou-o com os
dedos e este tornou-se na figura de Jasão, que foi buscar o Tosão de Ouro.
O segundo
dos rapazes correu para o prado, onde havia flores com todas as cores
imagináveis. Colheu uma mão-cheia delas e apertou-as com tanta força que os
sucos lhe salpicaram os olhos e molharam o anel que a mãe lhe dera. Excitado,
despertou-lhe de tal forma a imaginação que, dias e anos depois, ainda se
falava, na cidade, do grande pintor.
O terceiro
rapaz agarrou o anel tão fortemente na boca que soou um eco do fundo do
coração. Sentimentos e ideias ascenderam-se em sons que subiram como cisnes
cantantes e mergulharam como cisnes na profundeza do lago.
O lago fundo
do pensamento. Tornou-se o mestre das notas e dos tons. Todos os países podem
agora pensar: «Ele pertence a todos nós!» O quarto era o bode expiatório. Tinha
gosma, falava-se. Precisava de pimenta e de manteiga como os pintainhos
doentes. Diziam estas palavras com a entoação que lhes apetecia dar: «Pimenta e
manteiga.» E ele recebia-as até se fartar.
— Mas de mim
recebeu um beijo de Sol — disse o Brilho do Sol. — Recebeu dez beijos como se
fossem um. Tinha a natureza dos poetas. Bateram-lhe e beijaram-no, mas ele
tinha consigo o anel da sorte do cisne dourado da felicidade. Os seus
pensamentos pairavam como borboletas cantantes. O símbolo da imortalidade!
— Foi uma
história bem longa! — disse o Tempo Ventoso.
— E
aborrecida! — disse o Tempo de Chuva. — Sopra-me para voltar a mim!
E enquanto o
Tempo Ventoso soprou, o Brilho do Sol contou:
— O cisne da
felicidade voou então sobre o mar profundo, onde os pescadores tinham deitado
as redes. O mais pobre deles pensava em casar-se. E casou-se.
Casou-se
porque, para ele, o cisne trouxe um pedaço de âmbar. O âmbar atrai. Atrai
corações para casa. O âmbar é o mais belo incenso. Vem dele um odor, como da
igreja vem o odor da natureza de Deus. Sentiram, verdadeiramente, a felicidade
de uma bela vida em casa, a satisfação nas pequenas coisas e assim foi a sua
vida. Tornou-se uma verdadeira história do Brilho do Sol.
— Vamos
interrompê-lo! — disse o Tempo Ventoso. — Já falou de mais o Brilho do Sol.
Para mim foi um aborrecimento!
— Para mim
também! — disse o Tempo de Chuva.
— E que
dizemos então nós, que ouvimos as histórias?
— Dizemos:
acabaram-se agora!
Hans
Christian Andersen nasceu em Odense, 1805, e morreu em Copenhague, 1875. O
notório escritor dinamarquês teve uma infância pobre, mas enriquecida com as
histórias que seu pai, humilde lhe contava, encenando com bonecos. Após a morte
do pai, fugiu de casa e aos 14 anos começou a trabalhar no Teatro Real, em
Copenhague. Andersen foi ator, corista, bailarino e autor. A maior parte de
seus estudo foram financiados pelo diretor de teatro Jonas Collin. Entre outras
obras, publicou: O Improvisador
(1835), Nada como um menestrel
(1837), Livro de Imagens sem Imagens
(1840), O romance da minha vida (autobiografia
em dois volumes, 1847). Ganhou renome com os contos (Histórias e Aventuras) para o público infantojuvenil, publicada de
1835 a 1872. Há farto material na web
sobre o grande mestre.
BUSCARÉ ALGO EN CASTELLANO, GRACIAS
ResponderExcluir..., olá, Susana, gracias pela visita. este conto é de uma compilação em português (de Portugal). ..., na Biblioteca Gutemberg encontrei uma seleção em catalão. ..., creio que não deve ser difícil encontrar , em domínio público, edições em castellano, na web. ..., endereço da Gutemberg: http://www.gutenberg.org/ebooks/author/2298
ResponderExcluir