sábado, 19 de setembro de 2015

Nicanor Parra: Se Canta Al Mar

O instigante poeta chileno Nicanor Parra completou 101 anos no último dia 5 de setembro. Em 2009, a Academia Brasileira de Letras e a Academia Chilena de la Lengua, lançaram a antologia bilíngue Nicanor Parra e Vinícius de Moraes, com tradução e introdução de Carlos Nejar e Maximino Fernández. As poesias de Nicanor Parra foram extraídas do livro Poemas para Combater a Calvície (Poemas para combatir la calvície, 1993). Leia um trecho da introdução de Carlos Nejar na primeira postagem: Dos Chistes. Para homenagear o poeta, o segundo de cinco poemas da edição Nicanor Parra e Vinícius de Moraes. Hoje: o belíssimo Se Canta Al Mar..., que lembra o também belo poema IV de Rollo de Resende, que publiquei, aqui, há um mês.


         


SE CANTA AL MAR
Nicanor Parra

Nada podrá apartar de mi memoria
la luz de aquella misteriosa lámpara,
ni el resultado que en mis ojos tuvo
ni la impresión que me dejó en el alma.
Todo lo puede el tiempo, sin embargo
creo que ni la muerte ha de borrarla.
Voy a explicarme aquí, si me permiten,
con el eco mejor de mi garganta.
Por aquel tiempo yo no comprendía
francamente ni cómo me llamaba,
no había escrito aún mi primer verso
ni derramado mi primera lágrima;
era mi corazón ni más ni menos
que el olvidado quiosco de una plaza.
Mas sucedió que cierta vez mi padre
fue desterrado al sur, a la lejana
isla de Chiloé donde el invierno
es como una ciudad abandonada.
Partí con él y sin pensar llegamos
a PuertoMontt una mañana clara.
Siempre había vivido mi familia
en el valle central o en la montaña,
de manera que nunca, ni por pienso,
se conversó del mar en nuestra casa.
Sobre este punto yo sabía apenas
lo que en la escuela pública enseñaban
y una que otra cuestión de contrabando
de las cartas de amor de mis hermanas.
Descendimos del tren entre banderas
y una solemne fiesta de campanas
cuando mi padre me cogió de un brazo
y volviendo los ojos a la blanca,
libre y eterna espuma que a lo lejos
hacia un país sin nombre navegaba,
como quien reza una oración me dijo
con voz que tengo en el oído intacta:
“Este es, muchacho, el mar.” El mar sereno,
el mar que baña de cristal la patria.
No sé decir por qué, pero es el caso
que una fuerza mayor me llenó el alma
y sin medir, sin sospechar siquiera,
la magnitud real de mi campaña,
eché a correr, sin orden ni concierto,
como un desesperado hacia la playa
y en un instante memorable estuve
frente a ese gran señor de las batallas.
Entonces fue cuando extendí los brazos
sobre el haz ondulante de las aguas,
rígido el cuerpo, las pupilas fijas,
en la verdad sin fin de la distancia,
sin que en mi ser moviérase un cabello,
¡como la sombra azul de las estatuas!
Cuánto tiempo duró nuestro saludo
no podrían decirlo las palabras.
Sólo debo agregar que en aquel día
nació en mi mente la inquietud y el ansia
de hacer en verso lo que en ola y ola
Dios a mi vista sin cesar creaba.
Desde ese entonces data la ferviente
y abrasadora sed que me arrebata:
es que, en verdad, desde que existe el mundo,
la voz del mar en mi persona estaba.


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SE CANTA AO MAR
Nicanor Parra
Tradução: Carlos Nejar

Nada poderá afastar de minha memória
a luz daquela misteriosa lâmpada,
nem o efeito que em meus olhos teve
nem a impressão que me gravou na alma.
Tudo o pode o tempo, e no entanto
creio que nem a morte há de apagá-la.
Vou explicar-me aqui, se me permitem,
com o eco melhor de minha garganta.
Por aquele tempo eu não compreendia
francamente nem como me chamava,
não havia ainda escrito nenhum verso
nem derramado minha primeira lágrima;
era meu coração nem mais nem menos
que o esquecido quiosque de uma praça.
Mas sucedeu que certa vez meu pai
foi desterrado ao sul, para a distante
ilha de Chiloé onde o inverno
é como uma cidade abandonada.
Parti com ele e sem pensar chegamos
a Porto Montt em certa manhã clara.
Sempre havia vivido minha família
no vale central ou na montanha,
de maneira que nunca, nem por um eito,
se conversou do mar em nossa casa.
Sobre este assunto eu sabia apenas
o que na escola pública ensinavam
e uma outra questão de contrabando
das cartas de amor de minhas irmãs.
Descemos do trem entre bandeiras
e uma solene festa de ondulosos sinos
quando meu pai com um braço me agarrou
e voltando os olhos para a branca,
livre e eterna espuma que ao longe
para um país sem nome navegava,
como quem reza uma oração me disse
com voz que no ouvido guardo intacta:
“Este é, rapaz, o mar.” O mar sereno,
o mar que banha de cristal a pátria.
Não sei falar por que, mas é o caso
que uma força maior me encheu a alma
e sem medir, sem suspeitar sequer,
a real magnitude dos meus campos,
pus-me a correr, sem ordem nem concerto,
como um desesperado para a praia
e estive em instante memorável
diante deste grande senhor das batalhas.
Então foi quando estendi os braços
sobre a undosa face das águas,
rígido o corpo, as pupilas fixas,
na verdade sem fim da distância,
sem que em meu ser movera-se um cabelo,
como a sombra azul das estátuas!
Quanto tempo durou nosso saudar
não podiam dizê-lo as palavras.
Só devo acrescer que aquele dia
nasceu na mente a inquietude e a ânsia
de fazer em verso o que em vaga e vaga
Deus na minha vista sem cessar criava.
E é desde então que data esta fervente
e abrasadora sede que me arrebata:
é que, em verdade, desde que existe o mundo,
a voz do mar em minha pessoa estava.


*
Ilustração de Joba Tridente.2015


Nicanor Parra nasceu no Chile em 5 de setembro de 1914. Estreou com Cancioneiro sem Nome (1937). Formou-se em Matemática e Física no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Estudou Mecânica avançada na Universidade de Brown, Rhode Island, 1943-1945. Foi diretor interino da Escola de Engenharia da Universidade do Chile. Discípulo do Cosmólogo E.A. Miner em Oxford e professor de Mecânica Teórica na Universidade do Chile. A publicação da obra que o consagrou deu-se em 1954, Poemas y Antipoemas. Foi seguido de La cueca larga (1958) e Versos de Salón (1962), Canciones rusas (1967), Obra gruesa (1969), Artefactos (1972), Sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1977), Nuevos sermones y prédicas del Cristo de Elqui (1978), Chistes para desorientar a la poesía (1983), Coplas de Navidad (1983) y Hojas de Parra (1985). Também publicou antologias em obras como Poesía política (1983) e Poemas para combatir la calvicie (1993). Fonte: Edição Nicanor Parra e Vinicius de Moraes.

Carlos Nejar: Poeta, Ficcionista e Crítico. Pertence à Academia Brasileira de Letras e Academia Brasileira de Filosofia. Traduziu Borges e Neruda, e possui livros publicados no Brasil e no Exterior.

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