quarta-feira, 8 de julho de 2015

Damasceno Vieira: Uma Visita Médica

Selecionando alguns textos do livro Lyra Popular Brasileira - Completa e Escolhida Colleção de Modinhas, Recitativos e Lundus, Duetos, Canções e Poesia - cuidadosamente coordenada por José Vieira Pontes - 6ª edição Muito melhorada com novas producções de melhores autores - C. Teixeira & Cia Editores – São Paulo – 1927, encontrei dois românticos e singelos poemas: Uma Visita Médica, de Damasceno Vieira e Seios, de Accacio Antunes. Bom, na verdade, o primeiro é romântico e, em sua ingenuidade, até sensual..., enquanto que o segundo me parece uma tentativa (involuntariamente divertida) de definir “poeticamente” os Seios. Então, fique, hoje, com Uma Visita Médica, de Damasceno Vieira, e, amanhã, com Seios, de Accacio Antunes.



Uma Visita Médica
Damasceno Vieira

O banqueiro lhe diz: «Mandei chamá-lo
Para ver que moléstia impertinente
Incomoda Leonor.
Ela é muito nervosa: um forte abalo
Prostrou-a; sobreveio febre ardente.
Examine-a, doutor.

Queira entrar para a alcova.»
No aposento,
Entre a espumosa alvura das cortinas
Cerradas por igual,
Repousa um anjo lindo e sonolento
Sobre o macio frouxel das rendas finas
Do leito virginal.

Havia ali, no recatado ambiente,
Grato aroma de cravos e baunilha,
E um tépido calor.
Afastando as cortinas levemente,
Diz o pai carinhoso: «Minha filha,
Aqui tens o doutor.»

Vermelhas de rubor as faces belas,
Ela os olhos, que há pouco dormitavam,
Abrindo à viva luz,
Casta e surpresa, confrangeu as telas
Sobre os seios que livre palpitavam
Formosamente nus...

Para ver se a moléstia era do peito,
O médico auscultou-a, gravemente,
Sobre o dorso gentil,
Conchegando-a, com íntimo respeito
E ouvindo o forte coração ardente
A palpitar febril...

Auscultou-a, enlevado, ao ver aquela
Perfeição de mulher, lembrando a Vênus
Que em Milo floresceu,
A branca estátua, altivamente bela
— A glória de escultura dos helenos —
Que o Louvre recolheu.

Colado o ouvido à pele cetinosa
Da donzela que a medo estremecia
De cândido pudor,
Ele escutava a música nervosa
Do peito, que cantava a melodia
De apaixonado amor.

Ah! quanto desejara que a visita
Fosse longa, bem longa, interminável,
Em êxtase assim!...
Mas, repelindo o sonho em que se agita,
Tranquiliza o bom velho impressionável
E receita por fim.

Manda vir um calmante, e prazenteiro,
Vê a febre ceder incontinente:
Sorri de orgulho então.
Mas ao sair da casa do banqueiro,
Percebe, dentro de si, novo doente:
— 0 próprio coração.

*
Ilustração de Joba Tridente. 2015


Acredito que o autor deste lírico poema seja o escritor gaúcho João DAMASCENO VIEIRA Fernandes (1853-1910), também jornalista, dramaturgo e historiador brasileiro, e não o filho Arnaldo Damasceno Vieira (1879-1951). No livro não consta dados biográficos e, segundo informações na Wikipédia, João Damasceno cursou a Escola Normal, mas optou pelo funcionalismo público. Iniciou carreira na Tesouraria da Fazenda do Estado e, com a Proclamação da República, após perseguição política, trabalhou na alfândega em Santos e na Bahia. Damasceno foi membro da Sociedade Pártenon Literário, da Sociedade Ensaios Literários e do Instituto Geográfico Brasileiro. Na Bahia integrou O Grêmio Literário e a Nova Cruzada. Vieira, que também usou o pseudônimo de Luciano Aguiar, é autor de: Ensaios tímidos (1872); Uma história de amor (1876); Auroras do sul (1879); Adelina (1880); O casamento de Sara (1884); A musa moderna (1885); Ecos de Paris (1886);  Arnaldo (1886); Anália (1889); Uruguaiana (1889); A voz de Tiradentes (1890); Através do Rio da Prata (1890); Os gaúchos (1891); Escrínios (1892);  Poemetos e quadros (1895); Brinde a Olímpio Duarte (1897); Castro Alves (1898); A flor de manacá (1900); A crítica na literatura crítica (1907); Albatrozes (1908); Epinício ao general Osório; Esboços literários. A edição digital Lyra Popular Brasileira (1927) é disponibilizada pela Brasiliana-USP.

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