sábado, 18 de abril de 2015

Silvio Romero: Superstições

Para finalizar o assunto Orações, Rezas e Benzimentos, iniciado na publicação anterior, nada melhor que um pouco de Crendices e Supertições. Material compilado do fascinante livro Contribuições para o Estudo do Folk-lore Brazileiro: Estudos Sobre A Poesia Popular do Brazil - 1879-1880, - Rio de Janeiro - 1888, por Sylvio Romero. Na postagem Sylvio Roméro: Orações, de 2013 conservei a grafia original, inclusive nas notas. Agora atualizei (apenas) a grafia.

Confira no Brasil de hoje os reflexos no Brazil de ontem na segunda de duas interessantes postagens: Superstições.



SUPERSTIÇÕES
Silvio Romero

p.25/27 (...) Também existem superstições sobre certos animais. A coruja é de mau agouro. A esperança e a lavandeira de bom. Acreditam no lobisomem, na mula sem cabeça e na mãe d'água, animais encantados.
O excremento da vaca é empregado para lavar a roupa e o corpo.
Lembro este fato por encontrar nele uma reminiscência do culto que se dava à vaca e ao seu excremento na Pérsia e na índia. *
O do cachorro, chamado jasmim do campo, emprega-se na cura da varíola. É um outro sintoma do atraso popular.
Quando sobrevêm as terríveis secas, em alguns pontos procuram conjura-las, fazendo procissões e mudando um santo de um lugar para outro. Também para experimentar-se se o ano será seco ou chuvoso, costuma-se tirar a prova de Santa Luzia, que consiste em colocar-se um bocado de sal em uma vasilha, na véspera do dia da santa, em lugar enxuto e coberto.
Se o sal amanhecer molhado, choverá, ao contrario não.
- Conta-se que no Ceará fizeram esta experiência diante do naturalista George Gardner, mas o sábio, fazendo observações meteorológicas, e chegando a um resultado diferente do atestado pela santa, exclamou em seu português atravessado: “Non, non, Luzia mentio.”
*Angelo de Guternatis — Mythologie Zoologique, passim

Quando alguém perde um objeto, costuma invocar São Campeiro, personagem que não consta do calendário e São Longuinho, patriarca das cousas perdidas.
A São Campeiro acendem-se velas pelos matos e campos. Para São Longuinho, quando se encontra o objeto perdido, grita-se: “Achei, São Longuinho!” Isto três vezes.
Algumas mulheres quando entram n'agua para tomar um banho, dizem:

“Nossa Senhora lavou
Seu bento filho pra cheirar,
Eu me lavo pra sarar.

Acreditam muito em almas do outro mundo, e quando estão comendo, se lhes acontece cair um bocado no chão, dizem: “Qual dos meus estará com fome ?”
Vejo aí uma reminiscência do culto dos maiores, descrito por H. Spenser.*
* Principies of Sociology, passim.

Ao deitarem-se algumas dizem:

“S. Pedro disse missa.
Jesus Cristo benzeu o altar;
Assim benzo minha cama
Onde venho me deitar.’

No ato de dar uma mulher à luz, quando a criança se aproxima do nascedouro, segundo a expressão consagrada, a parteira, ou assistente, faz repetir pela parturiente:

“Minha santa Margarida,
Não estou prenha, nem parida.”

No Ceará ainda se usa, em alguns pontos do centro, uma espécie de velório por morte de crianças, anjinhos, como chamam. Consiste em dar tiros de pistolas e rouqueiras, e cantar rezas e poesias na ocasião de levar para o cemitério o anjinho.
Existe também em algumas províncias a devoção intitulada a lamentação das almas. Em certa noite do ano saem os penitentes, de matracas em punho, a cantar em tom lúgubre composições adequadas. Vão parando de porta em porta sobretudo nas casas de certas velhas a quem querem aterrar.
Nota-se também o costume de vender ou amarrar as sezões, que consiste em benzê-las e depois ir o doente a um pé de laranjeira, onde nunca mais deve tornar, e dizer:

“Deus vos salve, laranjeira,
Que te venho visitar ;
Venho te pedir uma folha
Para nunca mais voltar.”

O elemento feminino é que predomina em tudo isto.
Deixemos este lado sombrio de nosso povo, que é comum também às nações até as mais cultas, e vejamo-lo expandir-se em suas festas.

Link da publicação anterior: Orações, Rezas e Benzimentos.
           
*
Ilustração de Joba Tridente - 2015


Sylvio Vasconcelos da Silveira Ramos Roméro (Lagarto, 21.04.1851 -18.06.1914): escritor, ensaísta, crítico literário, professor, filósofo. Roméro foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras em 1897 e escreveu para diversos jornais.  Sylvio Roméro (Silvio Romero) é autor de: A poesia contemporânea e a sua intuição naturalista (1869); Contos do fim do século (1878); A filosofia no Brasil (1878); A literatura brasileira e a crítica moderna (1880);  Cantos Populares do Brasil - vol. 1 e 2 (1883); Contos Populares do Brasil (1885); História da literatura brasileira, 2v. (1888); A poesia popular no Brasil (1880);  Compêndio da História da Literatura Brasileira (1906). Informações sobre a edição: Portal Brasiliana USP.

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