domingo, 17 de junho de 2012

Joba Tridente: As Diversas Faces do Brincar


Nos dias de hoje, cada vez mais dias de hoje, brincar, inventar brincadeiras, ser criança brincante, divertir simplesmente e apreender ludicamente o que de melhor a vida pode reservar num futuro de lembranças coloridas em tempos cinzentos, é um tabu. Se hoje sou um artista de “sete instrumentos” é porque tive um tempo, na infância, repleto de “nada fazer” e “tudo criar”. Nas asas da minha imaginação e outras crianças vizinhas, toda sobra virava um brinquedo de horas. Só aos seis anos vesti um uniforme de miudinho xadrez: vermelho e branco, e uma parte do meu tempo encontrou novo rumo na Cartilha Caminho Suave, o da leitura. E então um o outro lado da fantasia escancarou as portas e eu entrei, pra não mais sair. Naquele tempo não sabia de creches. As crianças eram criadas soltas em casa, na companhia de outros irmãos. Só soube da existência dos “depósitos de crianças”, quando deixei o interior de São Paulo. Era pouco mais que um adolescente.

Nestes últimos dezessete anos (1995/2012), participando dos mais diversos Projetos Educacionais e Culturais do Paraná, viajando por todo o interior do estado, continuo encontrando muita gente triste, inclusive professores. É uma gente tensa que não sabe relaxar para apreender o que é orientado nas oficinas. Os professores não conseguem deixar de ser professores, por algumas horas, para brincar de criar brinquedos que se faz brincando (uma das minhas oficinas). O que uma criança cria em uma hora eu não consigo tirar de um professor em duas. Enquanto um professor busca a lógica formal a criança viaja livre pela (i)lógica infantil e com muito mais acertos. Também porque se um brinquedo ou boneco não sair como imaginou, ela simplesmente o reiventa.

Em Arapongas, ao fim de uma etapa do Projeto Educação Com Ciência (2006), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, me aconteceu uma coisa mágica e inesperada na Rodoviária. Enquanto aguardava a hora de embarcar, na companhia de outros oficineiros, uma das meninas disse que, ao me ver andando pra cima e pra baixo, com uma mala cheia de adesivos e sininhos, ficou curiosa. Descobriu enfim que eu criava bonecos com material reciclável e quando conheceu alguns deles ficou fascinada. O resto do pessoal disse que também gostaria de conhecer o trabalho Como estávamos com tempo, comecei a mostrar os bonecos e fui me empolgando e contando histórias em que eles atuam e falam sobre a própria confecção. Quando me dei conta tinha um monte de gente (adultos e crianças) ao redor, prestando atenção na “festa”. A dona de um bar disse que estava dividida entre ouvir as historias, ver os bonecos e assistir a novela na TV. Acredito que, definitivamente, cumpri o meu propósito de artista. Estava exatamente onde o povo estava, livre e desimpedido, desinibido e pronto para o que viesse.

Certa manhã, viajando com o Projeto Comboio Cultural (2001/2002), da Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, que levava em um ônibus articulado, além de mim, uma bibliotecária e mais três artistas (também contadores de história), o veículo foi estacionado ao lado de uma praça, numa pequena cidade do interior. Estávamos nos arrumando para começar as apresentações quando vi uma senhora com uma garota, sua filha. A mulher tinha expressão de poucos amigos, pouca conversa, pouca informação. A garota vinha falando que naquele ônibus (que assim como em muitos outros municípios a população acreditava ser um ônibus de assistência médica) tinha uma biblioteca e contadores de história. A mãe ficou horrorizada, achava um absurdo, um despropósito um ônibus daquele tamanho carregar artistas contadores de história para crianças, quando poderia estar sendo utilizado, segundo ela, para algo mais útil. Penso que se soubesse o quê ou para quê teria dito. No seu cego ponto de vista o artista não deve ir onde o povo está, a cultura deve continuar sendo privilégio de quem mora em cidade grande ou na capital, e ainda que é perda de tempo criança ouvir histórias, que...

De outra vez, um dos contadores de histórias, que utilizava bonecos e ao final da narrativa mostrava para as crianças como ele transformava duas latas em um telefone ou uma simples forquilha de estilingue em um homem, ao perguntar se as crianças conseguiam ver a transformação, uma delas (mais mocinha) insistia em dizer que não e que aquilo continuava sendo um pedaço de pau e não um homem. Ela não queria dar asas à sua imaginação por ignorância, falta de infância ou simplesmente para enfrentar o artista, como se quisesse se mostrar superior em não sonhar (acreditando que o faz-de-conta é coisa de criança), em não perder tempo com bonecos, com pedaços de pau que viram homens ou coisas do gênero. Ela agia como se nunca tivesse lido ou ouvido Contos de Fadas ou Histórias da Carochinha. Para onde foram os sonhos, as fantasias, a imaginação, o faz-de-conta?

Noutra ocasião, um o performático contador de histórias mínimas, com seu teatro dentro de caixas de fósforos, se preparava para começar a apresentação quando foi interrompido por um indignado menino (de quatro a cinco anos). Ele queria aprender a fazer teatro e a sua professora não sabia ensinar - o que foi confirmado por ela, que se desculpou dizendo que não tinha a menor idéia de como trabalhar teatro com seus alunos. Bem, ali poderia estar um grande ator em formação, ansioso por informações sobre a arte de representar, que manifestava uma precoce vocação que, com certeza, seria interrompida, caso ele não deixasse aquele pequeno município esquecido, para seguir carreira ou terminar seus estudos numa cidade maior ou mesmo na capital.

Mais à frente, quando estávamos saindo de mais uma pequena cidade, perdida no interior do Paraná, onde fomos cobrir a falta de um grupo de teatro, cujo ônibus tinha quebrado, um garoto veio correndo, de longe, em direção ao veículo, agradecendo espontaneamente por termos ido à sua cidade. Dizia que aquele seria um dia que ele nunca esqueceria. Isso paga qualquer sacrifício enfrentado, na estrada, por artistas brincantes até com quem não aceita ou gosta de brincadeiras.

Eu sou um Oficineiro Cultural que recicla, antes de tudo, a vida!

foto: Oficina de Bonecos Animados - Projeto Biblioteca Viva Itinerante - Londrina. 2012

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